Os Perigos do DISC como critério de rejeição no recrutamento 

O modelo DISC tornou-se uma das ferramentas mais populares no mundo corporativo para mapear perfis comportamentais. Com sua aplicação intuitiva e resultados visualmente acessíveis, conquistou RHs, consultorias e gestores. No entanto, seu uso indevido como critério predominante ou absoluto em processos seletivos pode levar a consequências significativas, desde decisões equivocadas até a perda de talentos excepcionais. 

Neste artigo, exploraremos os riscos dessa abordagem e como uma compreensão mais profunda e flexível do DISC pode enriquecer, em vez de limitar, os processos de recrutamento e gestão de pessoas. 

O que é o DISC – e suas limitações 

O DISC categoriza as pessoas em quatro dimensões principais: 

  • Dominância (D): focado em resultados, decisões rápidas e enfrentamento de desafios 
  • Influência (I): comunicativo, persuasivo, orientado a pessoas e ambientes sociais 
  • Estabilidade (S): calmo, cooperativo, constante e voltado para a harmonia 
  • Conformidade (C): analítico, preciso, orientado a regras e qualidade 

É fundamental reconhecer que o DISC identifica tendências comportamentais predominantes, mas não mede capacidade técnica, inteligência emocional, valores, ética de trabalho, capacidade de aprendizado, nem potencial de desenvolvimento. Ele não consegue, isoladamente, prever o sucesso de um profissional em determinada função. 

O Mito do “Perfil Ideal” para Cada Cargo 

Muitas empresas cometem o erro de definir um “perfil DISC ideal” para determinadas funções: 

  • Vendedor = Alto I (Influente) → Carismático e persuasivo 
  • Gerente = Alto D (Dominante) → Decisivo e focado em resultados 
  • Analista = Alto C (Conformista) → Metódico e detalhista 

Essa abordagem parte do pressuposto problemático de que existe um tipo de personalidade ideal e imutável para cada função, o que reduz o indivíduo a um gráfico e ignora sua complexidade comportamental, emocional e experiencial. 

Problemas Dessa Abordagem: 

Limita a diversidade cognitiva – Equipes com perfis muito similares tendem a ter pensamento homogêneo, menor criatividade e maior resistência a mudanças. 

Ignora a adaptabilidade humana – Um profissional introspectivo (S ou C) pode ser um ótimo vendedor para clientes técnicos, assim como um “D” agressivo pode ser um líder tóxico se não desenvolver empatia. 

Supervaloriza traços natos em detrimento de habilidades aprendidas – Competências como resiliência, comunicação e gestão de conflitos podem ser desenvolvidas, independentemente do perfil DISC. 

Exemplo Prático: 

Uma empresa que só contrata vendedores “I” (extrovertidos e sociáveis) pode perder ótimos profissionais que: 

  • São mais analíticos (C) e vendem com base em dados, especialmente em vendas consultivas que exigem análise profunda de necessidades. 
  • Têm perfil estável (S) e constroem relacionamentos de longo prazo. 
  • São dominantes (D) e fecham negócios de forma objetiva. 

O contexto da vaga importa, assim como a abordagem da empresa e a natureza do desafio. 

Quando Todos Pensam Igual, Ninguém Inova 

A falta de diversidade comportamental pode ser desastrosa para as equipes: 

  • Um time de vendas formado apenas por perfis I pode brilhar no entusiasmo inicial, mas falhar na organização e planejamento. 
  • Uma equipe técnica composta apenas por perfis C pode ser excelente na qualidade, mas lenta na tomada de decisão. 
  • Um time de liderança composto apenas por perfis D pode tomar decisões rápidas, mas gerar clima tóxico e baixa empatia. 

A inovação nasce da diversidade de pensamento, estilos e abordagens. Para criar equipes de alta performance, precisamos de perfis complementares. 

DISC Estrutural vs. DISC Situacional: A Arte da Adaptação 

O DISC apresenta dois perfis importantes que frequentemente são negligenciados: 

DISC Estrutural (Natural) 

Reflete o estilo comportamental predominante da pessoa em situações cotidianas. É a sua “zona de conforto” comportamental. 

DISC Situacional (Adaptado) 

Mostra como o indivíduo se adapta em contextos específicos, em resposta ao ambiente, expectativas e desafios. 

Como Profissionais Experientes Equilibram Seu Perfil 

Pessoas com maior inteligência emocional e experiência desenvolvem flexibilidade comportamental: 

  • Um “D” (dominante) pode desenvolver empatia (S) para liderar sem autoritarismo. 
  • Um “I” (influente) pode incorporar organização (C) para evitar falhas por excesso de otimismo. 
  • Um “S” (estável) pode adotar mais assertividade (D) em negociações. 
  • Um “C” (conformista) pode melhorar comunicação (I) para vender ideias. 

A habilidade de reconhecer seu estilo natural e ajustar o comportamento conforme a situação é um dos sinais mais claros de maturidade emocional e inteligência interpessoal. 

Por isso, descartar um candidato com base em uma leitura superficial do DISC é não apenas injusto, mas um desperdício de talento e potencial. 

Por Que Diversidade Comportamental Fortalece Equipes? 

Equipes eficientes não são feitas de pessoas iguais, mas de perfis complementares: 

Perfil Dominante 

Pontos Fortes 

Riscos (se não balanceado) 

Quem Pode Complementar? 

Alto D 

Decisão rápida, foco em resultados 

Impaciência, falta de diplomacia 

S (Estabilidade) para acalmar conflitos 

Alto I 

Motivação, networking 

Falta de planejamento, excesso de otimismo 

C (Conformidade) para organização 

Alto S 

Paciência, trabalho em equipe 

Resistência a mudanças, evitar conflitos 

D (Dominância) para agilidade 

Alto C 

Precisão, análise crítica 

Perfeccionismo, dificuldade em improvisar 

I (Influência) para flexibilidade 

Uma equipe com Diversidade DISC terá: Liderança adaptável (D + S) Inovação e execução (I + C) Visão estratégica e operacional (D + C) 

Vou adaptar este bloco para deixá-lo mais compatível com o estilo do resto do artigo e acrescentar pontos complementares. 

Como Usar o DISC de Forma Estratégica (Sem Viéses) 

O DISC é valioso, mas como ferramenta complementar. Em processos seletivos, ele deve ser usado para aprofundar o entendimento do candidato, nunca como critério eliminatório. Para evitar os perigos do uso restritivo, considere estas estratégias práticas: 

Valide o perfil durante a entrevista – Nem sempre os candidatos são totalmente sinceros nas respostas ao teste, o que pode gerar desvios no resultado. No início da conversa, traga temas que permitam validar essa leitura: 

  • Para perfis Alto-D, explore situações em que tomaram frente e lideraram projetos. 
  • Para perfis Alto-I, pergunte sobre como engajaram equipes em momentos desafiadores. 
  • Para perfis Alto-S, questione sobre como mantiveram a harmonia em cenários de pressão. 
  • Para perfis Alto-C, investigue momentos em que a precisão e análise foram fundamentais. 

Explore os potenciais “pontos cegos” de cada perfil – Conhecendo os riscos típicos, traga à pauta situações em que estes poderiam se manifestar: 

  • Com um Alto-D, investigue como lida com tarefas que exigem paciência e diplomacia. 
  • Com um Alto-I, descubra seu comportamento quando é preciso garantir que metas sejam batidas com precisão. 
  • Com um Alto-S, questione como reage quando processos precisam ser repensados rapidamente. 
  • Com um Alto-C, pergunte sobre situações em que precisou tomar decisões com informações limitadas. 

O segredo desta etapa é como extrair essa informação. Como ninguém quer entregar seus pontos negativos, o segredo aqui é trazer o tema de forma que não exista a percepção de pergunta certa ou errada. Se você perguntar a um Alto-D ou Alto-C “você foi flexível” a resposta provavelmente será “sim” ou “sim, dentro do possível”. Se você questionar “Houve resistência?”, eles tenderão a responder de forma mais aberta sobre como essa resistência existiu e como foi contornada. 

Analise as diferenças entre DISC Natural e Situacional – Esta comparação pode revelar insights valiosos: 

  • Perfis muito semelhantes podem indicar que o candidato está em sua “zona de conforto” e terá resistência a mudanças, ou que possui pouca flexibilidade comportamental. 
  • Grandes diferenças podem sugerir desgaste no emprego atual ou, positivamente, maturidade e capacidade de adaptação. 
  • Use a entrevista para discernir qual cenário é mais provável, com perguntas sobre adaptabilidade e satisfação profissional. 

Combine-o com outras metodologias de avaliação – O DISC nunca deve ser usado isoladamente: 

  • Entrevistas comportamentais baseadas em competências 
  • Testes técnicos alinhados às exigências da função 
  • Dinâmicas que simulem desafios reais do dia a dia 
  • Avaliações de alinhamento cultural e valores 

Busque o equilíbrio da equipe, não a uniformidade – Ao avaliar um candidato, considere: 

  • Como seu perfil complementa (não replica) o time existente 
  • Quais lacunas comportamentais ele poderia preencher 
  • Em quais tipos de projetos seu estilo natural seria mais valioso 

Use como ferramenta de desenvolvimento, não apenas seleção – O DISC pode orientar: 

  • Programas de onboarding personalizados que considerem o estilo do novo contratado 
  • Formação de duplas complementares para projetos complexos 
  • Planos de desenvolvimento individualizado que ajudem a fortalecer os “músculos comportamentais” menos desenvolvidos 

Avalie o contexto específico da vaga e da cultura – A mesma função pode exigir perfis diferentes dependendo do: 

  • Momento da empresa (crescimento, reestruturação, estabilidade) 
  • Composição da equipe atual 
  • Estilo do gestor direto 
  • Natureza dos desafios imediatos e de longo prazo 

Lembre-se: o DISC é uma lente para entender comportamentos típicos, não uma sentença definitiva sobre o potencial de um profissional. Profissionais excepcionais frequentemente transcendem as expectativas limitadas de qualquer avaliação comportamental. 

O que realmente deve guiar uma boa contratação? 

Uma boa contratação leva em conta múltiplos fatores, como: 

  • Competências técnicas e comportamentais 
  • Capacidade de adaptação e aprendizado 
  • Alinhamento cultural e valores 
  • Potencial de desenvolvimento 
  • Motivadores pessoais 
  • Diversidade de pensamento e estilo 

Conclusão: DISC é um Mapa, Não um Molde 

O maior erro no uso do DISC é tratá-lo como um filtro eliminatório em vez de uma ferramenta de entendimento. Quando bem aplicado, é uma poderosa ferramenta de autoconhecimento, desenvolvimento de lideranças e formação de equipes mais equilibradas. Mas não deve ser confundido com um “oráculo” infalível de seleção. 

Não existe perfil ideal universal para um cargo. Existe contexto. Existe combinação de talentos. Existe equilíbrio. 

Pessoas evoluem, contextos mudam e equipes diversificadas performam melhor. Em vez de buscar o “perfil ideal”, busque o “equilíbrio ideal”. Empresas que entendem isso conseguem não apenas contratar melhor — mas criar ambientes onde pessoas diferentes se complementam, aprendem e crescem juntas.